Uma estrela negra aquece este espaço isolado. Pergunto-me... Como pode haver uma estrela aqui... Tão fundo... Onde estou mesmo? O Inferno pode ter estrelas? Como pode ter o Inferno uma estrela, que existe no céu, onde supostamente seria o Paraíso? Talvez alguém me explique por aqui...
Não há ninguém. Não há sombras... Há! Não... Não sei o que acabei de ver. Uma mancha negra moveu-se no solo. Foi tão rápido que não percebi o que era. Teria passado algum animal? Voador? Olho ao... “céu” mas encontro-o vermelho, sendo que as únicas manchas são os diferentes tons de vermelho, causados pela estranha estrela.
Volto a dar uma olhadela para o solo arenoso, mas continuo sem ter notícias de qualquer movimento. Decido caminhar até à estação que se depara à minha frente. Arrepio-me um pouco ao observar os ossos humanos de perto, alguns ainda com pedaços de carne, outros já comidos e lambidos de alguma forma.
Atravesso uma pequena ponte instável de madeira podre. Em cinco passos seria ultrapassada, mas fico no meio e observo a lava a escorrer por baixo de mim. Imagino-me a cair e ver o meu corpo derreter como manteiga, deixando um fuminho a carne assada, mas rapidamente transformado em queimado e o meu corpo não seria mais do que alguns minerais no mundo... Ou no Inferno.
Volto a mim e continuo até ao estabelecimento, que até ao momento me parece deserto. O único som que ouvi desde que saí do comboio foram as vibrações do calor. Devo estar nalgum deserto...
Ao tocar na porta de entrada, que se encontrava inclinada praticamente vinte graus para a direita, esta cai-me sobre os pés, pesada, de uma madeira antiga e com pó. Solto um pequeno uivo de dor, mas rapidamente me dobro para levantar aquele peso morto. Não há luzes, não há vida. Acabo por entrar às escuras e o calor intensifica-se. Oiço agora o som dos meus passos, que por pouco não devem esmagar o chão, tão frágil que está agora. Mais madeira podre...
Exteriormente é um edifício pequeno, de um andar apenas, sendo possível ir apalpando por dentro, mesmo sem qualquer luz. Os meus olhos já estão um pouco mais adaptados à sua ausência. Mais um ponto a favor.
Começo por me aproximar da fonte de calor, seguindo o sentido mais quente. Após alguns passos, apercebo-me que estou junto desse coração. Aos apalpões tento procurar algo. Num dos toques dou um pulo. Queimei-me! Tiro a t-shirt e dobro-a, calço-a como uma luva e tento perceber no que me queimara. Com a ajuda do tacto e da visão melhorada, apercebo-me de uma porta, pequena, ainda quente. Puxo-a, por forma a abri-la. A força já vai no limite, mas não se abre. Continuo a exercer força, pensando se será precisa alguma chave e neste momento...
A porta abre-se e saem gritos de dor de dentro dela. Tapo os ouvidos, pois os gritos rebentariam com os meus tímpanos, se não o fizesse... Pararam agora e mesmo assim sinto um zumbido...
Apercebo-me do clarão espontâneo. A porta era de uma fornaça, acesa ainda, e iluminou toda a área. Posso ver agora tudo... Posso ver as cruzes ensanguentadas, as forcas penduradas no tecto... Estranho... As forcas parecem ter alguém pendurado, mas não vejo nada. Olho para o chão... Vejo uma sombra... Move-se ligeiramente... Os meus olhos deixam de mexer ao mesmo tempo que a mancha negra. Algo perturbador...
Tento analisar melhor o estabelecimento e apercebo-me das consequências das minhas acções... As cordas das forcas estavam ligadas à porta da fornaça... Quando a abri, parece que activei a engenhoca... Mas não vejo ninguém... Louco por perceber, olho para as cruzes, ensanguentadas e sem ninguém. Também uma sombra se encontra abaixo delas. Aproximo-me e, ao afastar-me da fornaça, que queima o som com chamas ruidosas, consigo agora ouvir um borburinho. Aproximo-me mais, mais, mais... Uma voz parece vir das cruzes... Um gemido de dor... A agonia começa a encher esta divisão única. O som torna-se mais intenso e o eco dos gritos doloridos entra e sai constantemente na minha cabeça. Sem aguentar mais, corro para fora, a suar, louco de incompreensão.
Que se passa?
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