Um dia visitou-me a Morte.
Subiu a escada infernal,
Trazendo a sua arma de corte,
E entrou-me a dentro pelo quintal.
“Pois porque me assalta a casa?”,
Perguntei eu, intrigado.
“Está na hora de ganhar asa!”
“Já? Qual foi então meu pecado?”
“Desejo de superar o Divino!”
“Não tenho eu esse direito?!”
“Não. Agora, se tem um pouco de tino,
Vire cá a cabeça para deixar isto feito.”
Descontente com a notícia:
“E se me levar um dos sentidos?”
Ao seu rosto vazio fez carícia,
Pensando nos segundos seguidos.
“Levarei todos então”, concluiu.
“Mas isso é pior que a vida levar!
Leve-me dois”. E ela se riu.
“Levo quatro e mais nada a falar.”
Pois que remédio tive. Amuei.
Com uma única sensação,
Como poderia sequer ser rei?!
Ah! Maldita seja minha tentação!
Mas que sentidos podia dispensar?
Escolher apenas um para mim
E mandar os outros passear?
Como posso escolher assim?
Então pensei na audição:
Ela nunca foi muito boa,
Não é a minha melhor sensação.
E até que há muito, que bem não soa.
Mas e da música que será feito?
E o seu Amar ao meu ouvido?
Ficará vazio, assim, o meu peito,
Por se ausentar tal que não é ruído.
O olfacto veio em segundo:
Cheirar o fedor da morte,
Angustioso que entra cá fundo?
Ficar sem ele talvez seja sorte…
E o seu perfume para onde vai?!
Ele que as narinas me dilata
E me faz sempre suspirar um ai.
Se mo tirar, assim me mata.
Pensei depois no paladar:
Terminará o gosto dolorido,
Comerei tudo sem me queixar.
Até o sabor de um mau comprimido.
Mas nunca mais terei aquele sabor
Do seu beijo que sabe a Perfeição.
Oh! Sem ele… Minha grande dor,
Será a minha perdição…
Já desolado, olhei ao tacto:
Não vou sentir entrar uma faca,
Serei quase imortal, serei um facto!
Não me queixarei, nem que na maca!...
E deixarei de os abraços sentir...
O calor de estar nela encaracolado,
O coração a bombear: o sangue a ir e vir...
Tudo isto... Tudo isto será passado!
E restou-me um: a visão.
Deixaria de ver a porcaria no mundo
E tudo aquilo que cega o coração.
Não saberia mais se estava no fundo...
Mas os seus olhos deixariam de brilhar,
O seu sorriso morreria eternamente,
O seu nariz nunca mais veria dilatar,
Quando na orelha beijasse suavemente.
“Leva-me contigo então.
Tornar-me-ia incompleto, imperfeito.
E a ela só quero dar a Perfeição.
Dá-lhe o que de mim não for desfeito”.
“Levo para o Inferno a tua alma.
Ficam-lhe os teus sentidos e coração.
Ficas com o direito à dor. Proibição da calma.
Dever de chorar ao dobro a sua emoção.”
“Leva-me de uma só vez...”
E assim nada se desfez.
Excepto os meus olhos que choraram,
O meu nariz que veneno inspirou,
Os meus ouvidos que rebentaram,
A minha boca que se selou,
As minhas mãos que nada tocaram.
Dedicado a uma pessoa que já foi tão especial... Finalmente terminei o que não fui capaz de terminar...
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