21 maio 2013

4º A Caixa



Tornara-me no mundo em que estou. Pintou-me de vermelho, da tinta que jurrou dos seus sacrifícios. Desde que cá cheguei que tenho sentido ausência de alguns sentimentos. Sinto-me bem por aqui. É uma estranha sensação.
Oiço uma vibração ao longe. Finalmente algum indício de algo que não seja deserto. Tenho de aproveitar a oportunidade.
Ergo-me. Não olho para os corpos. Não sinto qualquer necessidade de o fazer. Sigo as vibrações. Apercebo-me de que os meus pés estão como novos. Fantástico! Assim posso caminhar mais depressa e sair finalmente deste deserto aborrecido! Ora cá vou.
O som sumira e guio-me agora pela memória com que fiquei. Mas nunca de fiar totalmente nela. É tão frágil e facilmente se atrofia. Tudo bem. A algum lado hei-de chegar. Nem que seja ao mesmo sítio.
Passaram cerca de cinco minutos e não ouvi nada mais. Apenas o som do queimar da pele. Está muito mais calor. Faz-me lembrar quando me queimei na fornalha, na estranha estação. Quase tão quente como isso. Consigo ver a carne a borbulhar, a querer separar-se. Já se abriu uma ou duas fendas e se continuar assim serei um bom prato para algum canibal faminto por uma boa carne assada. Boa não diria, mas certamente assada, sim...
Novamente oiço o que tinha ouvido previamente! Estou exactamente no local! Os meus ouvidos vibram. Tão mais nítido. O mundo grita. O mundo grita por algo e não percebo o que diz. Mas é um grito de dor.
E neste momento sou encurralado por quatro paredes de areia que se fecham sobre mim. Sinto-me afundar. Areias movediças? Não pensei que houvesse disso por aqui... Não, estou a cair como num elevador antigo, a uma velocidade tão diminuta que compensa mais ir de escadas. A areia que está por baixo de mim cai também, ao mesmo ritmo. Eu diria que estou realmente num elevador, ainda que não tenha qualquer sistema mecânico.
Não faço ideia de onde esteja mas sinto-me cair no nada, no infinito. Uma pequena chama aparece-me à frente e permite-me ver que estou numa caixa. Só consigo ficar sentado. E assim fico, a observar aquela fonte de luz. Vejo-a mexer-se, como que se girando e... Estava realmente a girar, pois a certo instante vejo-lhe uma espécie de olhos... Fechados... Abertos. Observam-me com um olhar radioactivo.
Vejo então sairem pequenos vultos que enchem a minha caixa, rodeando-me. Não há mais espaço. Começam a soltar gritos completamente loucos, potentes. Gritam de novo algo que não consigo perceber. Será alguma língua estranha? Ou a pronúncia? Talvez nem estejam a dizer nada e seja apenas barulho...
Entre este pensamento e o meu movimento de pôr as mãos aos ouvidos, as paredes em torno de mim ficam em chamas. Não, não são chamas. É certamente algo bem mais quente, porque a areia de que eram feitas começa a fundir e vejo-me num tetraedro de vidro.
Lá fora... Bem... Lá fora está negro. Já não há vermelho. Aliás, não há qualquer cor. Escuridão completa. Existe apenas o brilhar da pequena chama, que continua na minha caixinha, agora de olhos fechados. Será o Universo? Não vejo estrelas...

Silêncio do Invisível



O mundo pára. O mundo vibra, grita, expande-se em torno de mim e de mim faz silêncio. Sou eu que me cubro do véu invisível. Sou eu e não sou eu. É este mundo que me leva a fugir do que não existe, a preferir o pesadelo dos meus olhos fechados a qualquer realidade que me expande as pupilas dos olhos.
Dormi durante muito tempo. Sonhei muitas horas. Sonhei acordado. Depois de se ter originado a Ideia quis acordar e expô-la. Quis tornar uma ideia de um sonho num espaço real. A sua beleza é demasiado incrível para ser rejeitada. “Não! Vou abrir as portas aos sonhos!”, pensei eu, profundamente, entusiasmado, com medo...
E com medo continuei. O sentimento de falha é demasiado forte, abala-nos completamente. É preciso uma força muito grande para combater este sentimento. Ou então opta-se por outro caminho... Mas é este que quero e não o desejo abandonar. Pois, mas que fazer em relação à constante falha? Nenhum ser humano aguenta viver no meio da desilusão constante. É preciso um ponto positivo, algo que dê uma luz. Mas em relação ao que quero... Nada de luz.
Percebi então que o medo seria o problema. Na verdade não se tratava de falhar. Tratava-se de ter medo de falhar. Se existe hesitação, dúvidas, pouca força no lance de uma ideia, então nunca assumirá o rumo que desejamos, porque no fundo achamos que vai falhar. Perder o receio é então o caminho a seguir, ainda que seja algo complicado de controlar.
Face a esta descoberta pessoal, é preciso agir. Na verdade, sempre foi necessário. Mas é necessária uma decisão, um acto que, neste caso em especial, mostre que enfrentamos algo que nos afronta. Só depois teremos a nossa própria prova de que ultrapassámos determinada barreira.
O meu maior medo é ficar sozinho. Tornar-me invisível para as pessoas. Ser mais um no mundo, ser esquecido... E que melhor do que me tornar realmente invisível, para enfrentar este meu medo? Só existem pontos a favor: foco-me unicamente na minha Ideia, aquilo que mais quero propagar neste mundo; assim que conseguir suportar a ideia de estar sozinho, conseguirei suportar qualquer outra coisa e terei a força que precisar para levar a Ideia avante; protejo-me do mundo real, que me polui todos os dias a mente com ideias absurdas, impedindo-me de melhorar a minha própria Ideia...
Invisível me torno, debaixo deste manto que o mundo me permitiu usar. Começo por perder algumas emoções que tanto me sacrificavam a mente. Sinto-me mais leve, livre dos podres rotineiros. Sinto-me mais pesado, porque o peso desta Ideia é elevado, pois carrego-a aos ombros. Porém, é uma Ideia tão leve, tão simples, tão escondida mas tão fácil de alcançar... Fácil se todos a quisessem fácil...
Então que volte a reaparecer quando conseguir mostrar a uma parte deste mundo fétido que há mais para além disto. E nesse dia terminará o meu primeiro objectivo, começando tudo. Não estarei mais sozinho.