Na noite de hoje escrevo a lenda. Na noite de hoje, morre aquilo que era, aquilo que fui. Na noite de hoje, o Verão primaveril não é suficiente para evitar uma tempestade. Chove, rebentam trovões, quebram-se corações
A terra já frágil, gasta de tanto usada e mal tratada, tinha-se aberto novamente. Abriu-se constantemente e constantemente se quebrou. Deu a conhecer o seu núcleo já deformado à nascença. Ofereceu tudo o que tinha para dar. Ofereceu tudo, ficou sem nada, tudo fugiu. Quando algo foge, leva um pouco de terra presa nos sapatos. E reduziu-se a metade. Já de uma dimensão minúscula, tornou-se um meio do que mal se via. E nada se viu depois.
Mas por não se ver não quer dizer que não existe. Por não se ver significa que está no meio de ignorantes que não querem saber daquilo que vale a pena. Não querem olhar para o que é mais difícil, não querem olhar para onde a verdade pode estar, não querem olhar para onde poderia ter estado a felicidade...
A última não faz sentido. A felicidade faz parte do não olharem. Eu olho. Eu olhava. Eu fui feliz... Fui? Talvez tenha deixado de observar o que devia... Talvez a terra sentisse uma pisadela e pensasse que tinha um novo amigo, ou um novo amor... Mas no fundo não passava de algo de passagem. Por vezes ficavam com o pé preso, pois a terra era tão frágil, que acabava por parecer areias movediças. E a terra acreditava que lá estava porque queria. Um dia torna-se mais rija e confiante, a perna solta-se e lá se vai o amigo, o amor, a felicidade, a sensação de vida, a rigidez...
Se sou algo e estou nesta sociedade, quando ofereço, levam mais do que deviam. Levam pedaços de mim. Não por quererem, mas sim como se fosse um saco com doces, em que só interessam os últimos. O saco é deitado fora e nem reparam nele.
E por tudo isto, a tempestade se dá hoje. Existe um limite. O limite é ficar reduzido a zero. O limite é terem sido partilhados sonhos e destruídos em tão pouco tempo, tantas vezes. O limite, é a vida passar à minha frente, no meio de um trovão, e perceber que há coisas que não são para pessoas como eu.
Tudo fica negro nesse momento. Tudo parece morrer. Eu morro. Eu vivo. O coração não bate. O que mudou? Tudo. Nada. Sou eu. Mas não totalmente. O fogo agora queima-me a alma, os olhos brilham como raios, os sonhos enchem-me a cabeça. Oh, os sonhos! Tantos que eles são! Tantos que eles eram! Tantos que serão tornados realidade! Mas... Nada relacionado com certas emoções... Um sonho poderia ser voltar a amar, ser feliz. Mas quem ama de coração negro, queimado, podre, rasgado, partido em tantos pedaços que preenchem os limites do universo? Amo os meus sonhos, não amarei ninguém.
Cai agora! Senta-te e escuta! Ouves? Se não ouviste é porque não tomaste atenção. Acabou de cair um trovão. Alguém morreu, alguém nasceu. Não houve sequer um cadáver. Apenas... A morte do Amor.